segunda-feira, agosto 06, 2007

E sabe por quê?

. . .
Garimpando alguns textinhos, aí está: logo a seguir uma relação que poderia ser resolvida com uma ligação telefônica(como tantos outros textos que faço do telefone o mais eficiente meio de reconciliação, declaração ou desunião).


E SABE POR QUÊ?*

*Essa não é uma tímida declaração
para um amor impossível.


- E o que eu faço, hen? Como eu faço?


Ela suspira. Vai até a cozinha de armários brancos e piso frio e toma um copo d’água. Sente um calor misturando-se com arrepios em todo o corpo. Suspira mais uma vez, ainda mais fundo. Apaga a luz da cozinha e corre para o telefone como quem está preste a chamar uma ambulância. Com a trêmula mão de dedos finos e unhas vermelhas, ela aperta o botão “redial”. Tudo já estava cuidadosamente ensaiado há alguns dias. Mas o máximo que conseguira ir era até o primeiro “tuuu” da ligação. E ele nunca chegara a atender na primeira chamada. Hoje era a noite. Ela não agüentaria mais uma noite cheia de drogas para conseguir dormir e outro extenso dia de trabalho e de extensas olheiras. No segundo toque do telefone,um sonolento“alô”, ainda que sensual:

Oi. Há dias escuto e escuto e escuto aquela canção que tu me mostrou. E sabe por quê?
Agora eu quero! Quero aproveitar contigo o que antes não aproveitei. E sabe por quê?
I-d-i-o-t-a. Isso mesmo! Sou uma idiota. E tu tinhas razão quando dizias que o que era pra ser, se era pra ser, era desde o início. E que tal o início ser agora, hem? E sabe por quê?
Eu não agüento te ver e não poder ficar contigo. Eu quero te abraçar, te beijar ou só ficar de mãos contigo como quando nos bares ficávamos ouvindo as conversas dos outros.
Sabe o que eu estou fazendo agora? Colocando aquela canção de novo. E ela vai tocar de novo, de novo e de novo. Não vai parar enquanto eu não te falar tudo o que está preso na minha garganta. Tão preso que chega a doer o peito.
Deve estás achando que eu sou louca por te falar tudo isso agora, né? Mas há semanas quero te falar isso tudo.
E sabe por quê?

Mesmo que se passasse pela tua cabeça falar essas coisas para mim, isso tudo o que eu estou falando agora, tu não falarias. Tu sempre me mostraste tudo. E eu, idiota, nada percebia e muito menos entendia. E vestindo-me de tuas teorias, até pensei: se ele quisesse, viria falar comigo. Se era mesmo o que talvez fosse pra ser, ele viria.
Mas só entendi que estava na minha vez agora. E não sei se ainda há tempo de um novo início. Não, um recomeço não. Não que tenhamos que esquecer o que passou. Não é isso. Foi tudo tão bom, né? Seria isso: um novo início. Há tempo, né? Clichê esse papo todo, né?
E sabe por quê?
Sabe por quê? Eu não sei. Só sei que quero ficar contigo. E não suspire um ar debochado. Sei que também é o que tu queres. Vou desligar e irei até aí.
E sabe por quê?
Ainda sei onde tu moras.


Desliga o telefone. A única palavra que ele dissera foi um sonolento “alô”. Mas para ela não importa. Coloca a saia que comprara no dia anterior. Desce correndo as escadas de estreitos degraus. Pega um táxi e corre para a Rua da República. No caminho não muito longo pensa: o que tinha que ser dito, já foi. Agora só me resta esperar. Aperta o 305.

- Quem é?
- Desce rápido.
- Ah!Foi a senhora que ligou agora há pouco!
-Quê?!
-Desculpe, mas o seu...como posso dizer...namorado..não mora mais aqui. Mas se senhora quiser eu estou. Sabe como é, né?

Mas hoje era a noite.

Ela não agüentaria mais uma noite cheia de drogas para conseguir dormir.


Dormiria para sempre.
. . .

Um comentário:

Temperos e Desesperos disse...

Putaquepariu!


Tu escreve tão, mas tão bem...(mas tão, mas tão). Digníssimoooo post!!!!!!!!!!!!!

(penso em te contratar pra minha equipe de produção da novela mexicana que irei escrever e executar logo após formada).


Bjooo:****

E olha a data, ô besta!